Fotos: Gabriel Haesbaert (Diário)
Desde que as vira-latas Amora Pitanga e Dorinha chegaram, o lar de Marister e Soriano ficou completo e mais feliz
Nos tempos de outrora, os animais de estimação não viviam tão próximo de seus donos, não dormiam dentro das casas, em caminhas quentinhas e fofas nem tinham roupas. Assim como a sociedade, a relação dos pets e dos humanos mudou bastante nos últimos anos. Tanto que, hoje em dia, bicho de estimação é "gente" da família. Exemplo disso é que os animaizinhos não têm mais donos. Têm tutores.
Mas não é só o tratamento que mudou. Os vínculos com os pets estão cada vez mais intensos, deixando a dúvida de qual é o limite entre afeto e humanização.
AFETO
Em 2014, o falecimento do poodle Átila deixou o engenheiro mecânico e escritor Marcelo Soriano, 51 anos, e a mulher dele, a biomédica Marister Fioreze, 49, arrasados. Tristes com a perda, não tinham planos de adotar outro mascote. Mas os planos mudaram.
Passado um ano, Marcelo voltou do trabalho carregando uma cachorrinha vira-latas de 40 dias. Assim que chegou, a pet Amora Pitanga conquistou o coração dos membros da nova casa. Em 2016, a família aumentou com a adoção de Dorinha, resgatada, doente, de uma rodovia de Santa Maria.
- Somos apaixonados por animais e priorizamos o bem-estar das duas. Como moramos em apartamento, adequamos ambientes para que as pets tenham espaço para brincar. Passeios diários e correções de comportamento fazem parte da nossa rotina com elas - conta Marister.
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Soriano considera as pets como "filhas". Para ele, o convívio com as duas cadelinhas é uma alegria. Cuidadoso com cada detalhe que envolve a saúde dos animais, ele lembra que Amora foi resgatada após uma tempestade. Já Dorinha estava parada na rodovia, quando o casal a encontrou:
- Ela olhou para nós com uma expressão de quem pede socorro. Imediatamente, a recolhemos. Daí para frente, estabeleceu-se um vínculo afetivo e recíproco. É puro amor incondicional. Elas são, e sempre serão, minhas filhas.
FAMÍLIA MULTIESPÉCIE
Segundo Marister, o conceito de família multiespécie define o lar deles. A demonstração de felicidade das cadelinhas quando o casal chega em casa representa, para a biomédica, a forte conexão entre eles. Soriano considera fundamental a responsabilidade de oferecer qualidade de vida às filhas caninas:
- É como se Amora e Dorinha quisessem nos agradecer pelo amor que recebem. Ao mesmo tempo, somos gratos a elas por nos proporcionarem estabilidade emocional e nos fazerem esquecer dos estresses do dia a dia. Estamos felizes com este modelo de família.
HUMANIZAÇÃO
O treinador de cães e empresário do ramo pet Marcelo Ilha explica que a relação entre humanos e pets mudou muito, principalmente nos últimos três anos. Para explicar essa dinâmica, ele menciona a tendência de as famílias modernas serem menores e saírem do modelo tradicional. Neste contexto, muitas pessoas saem de casa mais tarde e decidem não ter filhos.
- É nesta realidade que entra o novo conceito de adoção de pets. Os animais de estimação preenchem outros espaços, tanto práticos quanto afetivos. Saíram do quintal, moram nas residências e, assim, formam as famílias multi-espécies - menciona Ilha.
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Mas essa nova realidade também tem um aspecto negativo: a falta de limite entre afeto e humanização. Segundo Ilha, toda troca é benéfica, desde que nenhum dos lados seja prejudicado. Ainda conforme o empresário, o tutor é beneficiado pela troca de carinho. Os que moram sozinhos têm a oportunidade de interagir não só com os animais, mas também com outros tutores. Porém, ele lembra que não é saudável atribuir características humanas aos bichinhos:
- O pet merece carinho, cuidado, amor e atenção. Porém, é preciso considerar que ele não é uma pessoa e que age por instinto. Há tutores que, ao se envolverem demais com o animal, transferem a eles ansiedades e carências. Tais reações não são saudáveis para nenhum dos lados.
SENSIBILIDADE E RESPEITO
Para a psicóloga Fabiane Bortoluzzi, tutora e doutoranda que se dedica nos estudos sobre o comportamento e treinamento de cães, a interação entre humanos e animais traz inúmeros benefícios para ambos, desde que se tenha respeito, responsabilidade e sensibilidade. Devido à experiência clínica no acompanhamento de terapias assistidas por animais, Fabiane descreve o conceito de famílias multiespécies como uma forte tendência da modernidade.
- Amar um pet é respeitá-lo como um ser de outra espécie. Manter essa harmonia é nossa responsabilidade - reforça.
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A psicóloga diz que é preciso sensibilidade para não dar tratamento humano ao mascote, o que pode ser danoso tanto para o pet quanto para o tutor. Ela explica que a relação com os animais é interespécie, visto que qualquer forma de humanização causa problemas comportamentais nos pets.
- Falo isso também como tutora. Busco, diariamente, melhorar a qualidade de vida de meus cães. Para relações saudáveis entre pet e ser humano, é fundamental atentar à comunicação animal, termo que define sinais de apaziguamento entre espécies - conclui.
NO DIA A DIA
- Tenha consciência de que o pet é um animal. Ele vai reagir aos estímulos da convivência como tal
- Invista em enriquecimento ambiental para oferecer bem-estar ao pet. O ambiente adequado refletirá na qualidade da família multiespécie
- Mesmo que sejam inteligentes e sensíveis, animais não têm condições de discernir entre certo e errado. Não exija isso deles
- Proporcione vida social e passeios diários aos pets
- Estar com outros animais é fundamental para que os bichinhos tenham equilíbrio e convivam com a própria natureza
Fonte: Marcelo Ilha, treinador de cães
*Colaborou Lorenzo Seixas